segunda-feira, 6 de abril de 2009

A vida por trás das grades



Prisão, penitenciária, presídio, cadeia ou cárcere, palavras que são sinônimos da ausência de liberdade. Também são espaços institucionais, com uma elevada segurança para onde a justiça manda as pessoas condenadas pelos tribunais, ou ainda para efeitos preventivos antes de julgamento. É o início do pagamento de uma dívida com a sociedade.

Nesta segunda reportagem sobre a Penitenciária de Encruzilhada do Sul, nossa equipe de repórteres conversou com quatro presos, identificados por nomes fictícios para que suas identidades sejam mantidas em absoluto sigilo. Três possuíam envolvimento com o crack. Todos jovens e cometeram seus crimes em Butiá e Minas do Leão.

Uma nova atualização dos dados mostra que em apenas uma semana Encruzilhada recebeu mais seis detentos de Butiá, passando de 32 para 38 até o fechamento desta edição.

Desespero, medo, inconseqüência, irresponsabilidade, saudade e liberdade. Todos estes sentimentos misturam-se na cabeça de quem não mais pode andar na rua e agora conta os dias para que possa voltar ao convívio social. Alguns tentaram antecipar este retorno a uma vida normal, fugindo da prisão. Foram recapturados e encaminhados novamente para o presídio, onde deverão cumprir um período de castigo. Nove detentos estão isolados dos demais, cumprido medida punitiva. Acompanhe estas quatro histórias.



“Esperança”


É este sentimento que o jovem 24 anos de idade tem para sair do cárcere. Iniciou aos 12 nas drogas fumando maconha, e a partir daí entrou no mundo do crime, cometendo pequenos furtos. Ainda quando menor teve uma passagem pela antiga Febem, atualmente Fase, Fundação de Atendimento Sócioeducativo. Hoje aguarda julgamento por três assaltos cometidos contra farmácias em 2008. Garante que em todas estas ações, jamais usou e violência, pois procurava entrar nestes estabelecimentos à noite.

“Estar preso é um inferno. Eu roubava para ter um pouco de dinheiro, mas usava a maior parte para comprar droga, quase sempre a pedra (crack)” relatou o ‘Esperança’ que repetiu: “Conheci a pedra em 2007 e ela é um inferno”.



Dividindo a cela com outros três companheiros, ele afirma que o que mais sente falta é de ver seus filhos: “Não sou um monstro, gosto de ver minhas crianças, dormir com eles”.

‘Esperança’ foragiu de Encruzilhada, no ano passado, mas foi pego novamente: “Andar espiado, se escondendo é a pior coisa. Quase cheguei a vir aqui e pedir que me prendessem de novo”. Ele acredita que tenha sido denunciado por andar armado. Relata que foi atingido por um tiro de raspão na cabeça, mas já está recuperado, não ficando nenhuma sequela. Sua esposa mora em Encruzilhada, onde cometeu os últimos delitos e foi preso.

‘Esperança’ que inicialmente mostrava-se arredio, medindo as palavras, incomodado com as algemas, foi perdendo a timidez, relatando todo o seu envolvimento com as drogas e com o crime. Várias vezes falou com carinho da esposa e principalmente dos filhos.

“A droga atrapalhou tudo, me separou da família. É tudo muito estranho. O que resta é o um sentimento de saudade da liberdade”. Finalizando ‘Esperança’ repetiu que seu maior desejo é cumprir sua pena que será revista em 2010 integralmente, e depois sair em liberdade para trabalhar: “Eu sempre fui um trabalhador” finalizou.

“Menino”


Rosto jovem, aparência de menino, um brilho no olhar. Características deste rapaz de 19 anos que já cometeu nove roubos em residências. Também iniciado cedo no mundo do crime, com apenas 13 anos, e experimentando a maconha como primeira droga, pulou direto para o crack aos 14 e assim não quis parar mais. “Depois que entrei no ritmo da droga, não tinha fim” disse ele.

Um problema familiar pode ter desencadeado todo o rumo que ele viria a seguir: A separação dos pais. Depois da separação, como não tinha um bom relacionamento com a mãe parou de estudar e entrou de vez para criminalidade. Relata com um pouco de mágoa ser abandonado pelo pai.

Recebe visita de sua esposa sempre quando ela pode ir. Quando perguntamos como é estar preso ‘Menino’ responde: “É cruel estar aqui, mas agente tem que pagar o que deve”.

Sobre seu relacionamento dentro do Presídio ele afirma: “Ah, fui bem recebido, aqui a gente é bem tratado pelos presos, pelos agentes e pela direção”.
Ele acredita que a fé, pode estar mudando sua vida. Frequenta cultos religiosos que são realizados na prisão e garante que agora está curado, não sendo mais dependente das drogas.

Quando perguntado se é possível sonhar estando aprisionado, seus olhos refletem um brilho diferente, ergue ainda mais a cabeça e esboçando um sorriso, diz que sonha muito com a rua, a liberdade e principalmente com a sua mulher.

“Saudade”




Somente isto que restou ao jovem de 20 anos, preso por 12 furtos a casas e mercados e por porte ilegal de arma. Cursou somente até a primeira série do ensino fundamental. Logo após a separação de seus pais, em torno dos 15 anos de idade, foi morar com a irmã em um “morro” em Porto Alegre. Estopim para sua entrada no crime o no consumo de drogas. Com o dinheiro originado nestes crimes comprava comida e mais drogas. Primeiro foi a maconha, que o levou para a cocaína e depois o crack.

A primeira vez que foi preso ficou 11 meses na Penitenciária Modulada de Charqueadas. Da segunda vez, ficou dois meses no Presídio Central e está agora há dois meses na Penitenciária de Encruzilhada, preso por furto e porte ilegal de arma. Na comparação entre as três cadeias que esteve ‘Saudade’ diz: “Em Charqueadas eu tinha o meu espaço, mas aqui é muito melhor. Já o Central não é presídio, é colégio”.

Pego usando telefone celular, o que é proibido, ele foi levado para cela do “Castigo” que divide com outros oito presos. De acordo com o regimento interno o preso que burlar alguma regra fica de “castigo” em uma cela separada, pelo período de 30 dias, sem direito a pátio, ventilador, sem visita e sem TV e rádio. Neste sábado, dia 4, termina esta punição, assim poderá retornar ao convívio normal com os demais presos.

“Depois que o crack chegou em Butiá, a cidade virou um inferno”
afirmou ‘Saudade’, que diz ter largado o crime de mão: “O que eu mais quero é poder estar na rua. Tenho um pouco de medo do que pode acontecer em Butiá quando eu chegar, por algumas rixas antigas, mas vou defender a minha vida. Lá vai ser matar ou morrer”, disse ele.

Com relação ao seu relacionamento com a companheira, que ainda mora em Butiá, diz ser normal, mas não pode vê-la, pois é menor e é proibida a entrada no presídio. Como ficou preso durante 11 meses e em liberdade somente 17 dias, não tem contato com ela há muito tempo.

‘Saudade’ diz que vai mudar de vez: “Minha mãe sofre com isso, mais do que eu, mas dessa vez eu vou mostrar pra ela que eu vou mudar”, promete reafirmando: “Não vou mais usar qualquer tipo de droga, não quero mais roubar”.

Ele não se intimidou em fazer várias denúncias como a falta de exames médicos quando os presos são encaminhados para o presídio. Também acusou que ele e outros na mesma situação, sofreram agressões quando foram presos.

“Eles batem muito. Eu perdi dentes, tive costelas quebradas, quebraram minha cabeça”. Com passos lentos, algemado como todos os que se prontificaram a conceder entrevista, saiu lembrando talvez com saudade, um pedaço de sua vida.


“Injustiça”




Seis anos encarcerado, 31 anos de idade, e mais oito ainda por cumprir, fora o julgamento de uma fuga do semiaberto no mês março. Essa é a situação do ‘Injustiça’, preso por homicídio. De todos os entrevistados ele foi o único que nunca teve envolvimento com drogas.

De acordo com a sua versão ele defendeu sua vida em uma antiga desavença. Dois homens fizeram uma emboscada para matá-lo. Na luta ele acabou matando o homem que acompanhava seu antigo desafeto. Réu primário, alegando legítima defesa, seu crime passou para homicídio qualificado, julgado no ano de 2003 através de Júri Popular.

Amargurado, olhar fixo em um ponto na parede, como que relembrando o julgamento que o colocou atrás das grades por mais de 14 anos, tenta fazer a própria defesa, como que clamando por um novo julgamento: “Se eu não me defendesse, acabaria no cemitério, me defendi e parei aqui”, afirmou.

Cumpriu mais de um ano no Presídio Central, depois foi transferido para Encruzilhada, onde permaneceu até fugir do semiaberto no mês passado, sendo recapturado na madrugada de sexta para sábado, dia 28. Conta que saia da residência da mãe, como fazia nas últimas semanas para se dirigir até o local de trabalho.
Quase no final da rua, foi abordado pelos policiais que deram voz de prisão: “Não reagi. Simplesmente coloquei as mãos na cabeça e esperei que me algemassem”. O que motivou a fuga, segundo ele, foi a doença de sua mãe que mora sozinha e precisando de cuidados.

“Entrou da porta pra cá, é só ter bom comportamento e esperar o tempo passar. Quero sair, tocar o barco pra frente, voltar pra casa e trabalhar que foi o que eu sempre fiz”.

‘Injustiça’ fala da filha de seis anos que não foi registrada em seu nome porque a esposa não quis reconhecer sua paternidade. “Ela nasceu seis dias depois da minha prisão. Eu nunca pude abraçá-la, nunca pude beijá-la. Contam para ela que eu sou um bandido”, relata um homem da fala pausada e com muita tristeza.
"Um dos meus maiores sonhos, quando estiver em liberdade é poder abraçar minha filha e poder registrá-la com o meu nome".

Em datas como Natal, Ano Novo, Dia das Mães, Dia das Crianças, o ‘Injustiça’ diz ser os piores dias e os mais tristes dentro da prisão. Conclui dizendo que espera que a justiça possa realmente ser feita, ele ser julgado novamente e a pena reduzida.
“Sempre fui um trabalhador, comecei ajudando meu pai, quando tinha oito anos. Todos me conhecem, nunca tive qualquer bronca ou envolvimento com a polícia. Me defendi para não ser morto e meu advogado, durante o julgamento não fez nada para evitar esta injustiça”, desabafou um homem que quer voltar para a filha que não conhece e ajudar a sua mãe na cura de sua doença.

Com as portas fechadas, da sala onde realizamos a entrevista, foi possível ouvir as passadas lentas de um homem que se mostrou mais aliviado depois de descarregar uma carga muito pesada de emoções.


Esperança, Menino, Saudade e Injustiça, nomes fictícios, para homens de verdades que ilustram esses relatos. Ao final de cada entrevista era possível ouvir passo a passo cada um deles dirigindo-se para a cela. Esta cena se repetiu quatro vezes, todas iguais e diferentes ao mesmo tempo.

Ficou a sensação de que cada um deles tentou sair do cotidiano, de suas vidas no presídio, para dar uma volta em algum lugar não muito longe, simplesmente para poder respirar um pouquinho de liberdade.

A sagrada liberdade jogada fora por três jovens que tiveram a infelicidade de em algum momento de suas vidas, encontrar com as drogas.

Histórias de vidas em sua maioria tristes, mas que pela situação social, e por falta de uma opção melhor, cometeram crimes, para comer, para sobreviver ou para sustentar o vício.

Estes são apenas quatro relatos de outros 96 que poderíamos ter ouvido, mas no geral todos se assemelhariam em apenas uma única questão, o sonho de poder estar livre e com suas dívidas pagas com a sociedade.




Acompanhe na próxima edição a seqüência desta matéria

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